terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 


O beijo


É como um poema
Que nos quebra a respiração
Sôfrego nos sentidos
Das palavras
Absorto nas emoções
Das palavras
Que mesmo sem fôlego
Se lê até ao fim
...
E perdemos o chão
E perdemos a noção
Esvoaçando
Leves e firmes
Sobre todas as realidades
Sem coração

 

Paula Sá Carvalho, dezembro 2020

 


sábado, 21 de novembro de 2020

 Perder o Norte


O meu desengano

Está à procura do seu limite

Qual solstício de Inverno


E quando o pináculo

For atingido em pleno

Pela indolência do Sol

Vou afastar cortinas

E abrir uma janela

À Primavera


 (se der com ela...) 


 Paula Sá Carvalho, 11/20

segunda-feira, 10 de agosto de 2020



Naquela casa amarela

 

Havia janelas

Viradas a Sul

Cortinas meticulosas

Na transparência para o verde

Do jardim

 

Havia cadeiras

Onde sentados a pensar no futuro

Os nossos membros

Entorpeceram

De saudade do não vivido

 

E a mesa rectangular

Onde marcámos os cotovelos
Desencontrados
Só servia para esquecer a fome

Do que nunca cozinhámos

Do passado

Paula Sá Carvalho

AGOSTO 2020


quinta-feira, 23 de abril de 2020



Cravos, Flores, Textura, De Rosa, Dianthus, Red



Em jeito de cantiga



Se um dia tivesse 25 horas

Seriam tuas

E todas as armas

Disparariam pétalas vermelhas

Perfumadas de presentes

Glorificados numa canção

Morena

Ou não



E haverá talvez

Meninos e

Meninas

A cantar à janela

Com os cabelos à lua

(Se a meteorologia o permitir…)



Eu por mim já canto

Nas horas que antecedem

A melodia do teu perfume inigualável



Paula Sá Carvalho, Abril 2020



Um dia há-de o caudal deste rio
Levar a um porto com abrigo
E todo este enovelado será um fio
Tricotado nas noites comigo

Na abóboda celeste visitarei
Todas as estrelas que a sorrir
Iluminarem o que desnovelei
Num abafo de saudade do devir

Mesmo se os meus passos ecoarem sem reflexo
Ainda haverá neles presença de uma sombra
Dirigida em caminho a desenhar-se convexo

E de um silêncio doce talvez adormecido
Acordará Fénix em vez de pomba
Constelando um céu que urge ser vivido

Paula Sá Carvalho, Março de 2020

segunda-feira, 23 de março de 2020







Numa manhã exactamente como tantas outras ela acordou com dificuldade num torpor de quem teve um sonho mau. Levantou-se devagar e não se espreguiçou, nunca se espreguiçava, o prazer de esticar os braços, de abrir o peito, de soltar as mãos, era algo de que nunca se lembrava. Começar o dia a sentir prazer nem fazia parte do seu imaginário.

Estranhou o silêncio, sentiu-o como um pesado véu a cobrir o dia que se construía e olhou pela janela. A rua estava sem movimento, os automóveis continuavam estacionados como de véspera e não se vislumbrava vivalma humana ou canina. Estranho - comentou ela em voz alta, e a sua voz ecoou num timbre diferente do habitual. Chamou pela mãe que àquela hora estava sempre em casa e não obteve resposta. Saiu do quarto, foi ao quarto dos pais; a cama estava desfeita e as almofadas estavam marcadas pela noite de sono. Foi ver a cozinha, a sala, a sala de banho, e até espreitou na despensa e ninguém. Concluiu que a mãe tinha quebrado a rotina de muitos anos e tinha saído sem dizer nada. Depois de tomar duche vestiu-se, verificou os livros e os cadernos na pasta da escola, apressou-se a tomar o pequeno-almoço e saiu para a rua. Sentiu um ar cálido nas faces, o Sol já brilhava e embora a rua lhe parecesse demasiado vazia o sorriso despontou no seu rosto. Durante o percurso continuou a verificar a ausência de trânsito e de pessoas, as lojas que costumavam já estar abertas continuavam fechadas, e os colegas que normalmente encontrava no caminho para o liceu também não apareciam. Devo estar a ver mal ou ainda não acordei completamente, parece tudo tão vazio, tão nu…, há aqui qualquer coisa de estranho. Tinha o hábito de falar alto quando falava sozinha mas nunca a sua voz lhe tinha soado com aquele timbre poderoso e abrangente. Finalmente chegou à escola, o portão tinha sido fechado à chave na véspera pelo guarda, que ultimamente e por precaução, o fechava todas as noites, os assaltos a escolas eram cada vez mais frequentes e as mais das vezes eram autênticos massacres que os vândalos faziam ao material, o que não roubavam 

Será que tenho o relógio certo? E voltou a ver as horas o que instintivamente já tinha feito várias vezes desde que acordara. As horas parecem estar certas o Sol já está a levantar-se, o dia está bem firme, não percebo nada disto... Decidiu ir ao café que costumava frequentar com os colegas que por sinal também estava fechado. Sem ver ninguém, com a escola fechada e total ausência de movimento, pensou que o melhor que tinha a fazer era voltar para casa e telefonar aos amigos. Pode ser que este mistério de ausências se explique de vez. Entrou em casa e voltou a chamar pela mãe que continuava ausente, pegou no telefone e ligou para a colega que morava no bairro, ninguém respondeu, ligou para o namorado que frequentava outra escola e que o mais certo era já ter saído, também ninguém respondeu, ligou para todos os colegas de que se lembrou, e por fim decidiu ligar para a tia velhota que nunca saia de casa e estava sempre sentada no sofá da sala junto à mesinha do telefone. Também não obteve resposta. Ligou para a polícia que por definição de funções estava sempre presente no posto mas ninguém respondeu. A primeira reacção que teve depois de todas estas ligações telefónicas se revelarem infrutíferas foi abrir a janela e gritar para a rua silenciosa, Está aí alguém? Não obteve resposta e por força das circunstâncias concluiu que estava sozinha naquela casa, naquela rua e porventura naquela cidade. Vou à procura de gente, pegou nas chaves de casa e na carteira dos documentos, e saiu de casa. Desceu a rua e pelo caminho tocou a todas as campainhas, e ao contrário do que costumava fazer em criança - que era fugir para ninguém identificar a autora de tal brincadeira, ficou à espera longos minutos por um nunca antes tão desejado, Quem é? Foi descendo a rua e tocando às campainhas ou batendo nas janelas mas nunca obteve qualquer resposta nem se apercebeu do mais pequeno movimento. A meio do caminho desistiu e dirigiu-se à estação dos comboios, era um local sempre muito povoado e com esta ideia a bailar-lhe inquieta nos passos apressou-se, desejosa de ver gente a acotovelar-se na azáfama dos dias de trabalho. A estação estava vazia, não havia ninguém e também não havia comboios. Nada disto é verdade, nada disto me está a acontecer, dizia cada vez mais baixinho receando o ruído da própria voz. O que faço agora? E esta interrogação martelava-lhe os pensamentos com a insistência do desespero.

Sentou-se no primeiro banco que encontrou e desesperada começou a chorar. Onde é que estão os meus pais, os meus colegas, a gente das ruas, o movimento do trânsito, o que é que eu vou fazer, como é que posso encontrar alguém... Cansada, decidiu voltar para casa, pensou que talvez se voltasse a adormecer o sonho acabasse e o cenário de todos os dias, o cenário em que sempre vivera, voltasse a aparecer. Subiu a rua a passos lentos, era uma subida pouco íngreme mas as suas energias estavam gastas e os pés pesavam-lhe toneladas, os braços não conseguiam coordenar-se com o corpo e pareciam perdidos a abanar, a abanar constantemente, para um lado e para outro, como se quisessem afastar aquela indefinição. Finalmente chegou a casa. Descalçou-se, despiu-se, vestiu o pijama, fechou as persianas do quarto e estendeu-se na cama. Ficou à espera do sono. Foi uma longa espera. A angústia cansou-a tanto que acabou por adormecer com os olhos inundados de lágrimas, recolhida no seu próprio corpo refugiado de um frio glacial.

O sono não lhe trouxe nenhum sonho ou pesadelo. Acordou algumas horas depois com dores em todos os músculos e com os ossos a ranger como se tivesse adormecido ao relento numa noite invernal. Quando acordou não se lembrou logo da estranha aventura que tinha vivido horas antes, acordou como se estivesse na letargia de um começo de dia comum. Só passados uns minutos, quando viu no relógio despertador as horas, é que se sentiu invadida pelo medo do que lhe estava reservado quando se levantasse e procurasse a mãe. Decidiu não se mexer e ficar à espera de reconhecer os sons familiares, estava tão absorta na sua quietude medrosa, que nem se apercebeu que a porta do quarto se abria e que a luz do dia lhe entrava de mansinho pelo quarto. Então minha querida, estás melhor? Era a voz da mãe, ah voz adorada, desejada, querida mãezinha, estás aqui! Dá-me a tua mão, fica comigo, não me deixes. E as lágrimas que ainda não se tinham esgotado correram-lhe desmesuradas pelas faces pálidas e apertava a mão da mãe com uma força tal que esta lhe disse mais do que surpreendida, Então menina estás a aleijar-me o que é isso, é tudo medo de estares sozinha ou é mariquice por estares doentinha? Estou doente, então nada do que se passou hoje de manhã é verdade? Mas que se passou hoje de manhã filha se estiveste sempre a dormir, desde ontem que não fazes outra coisa senão dormir, tens tido tanta febre, pregaste-nos cá um susto!

Afinal tudo não passava de um sonho mau, um sonho pesado, ingrato, castigador, e toda esta angústia que eu vivi não foi real mas eu senti-a como se fosse real, era tudo tão autêntico!

Lembrou-se do livro em branco, a terceira edição revista e comentada que um namorado lhe tinha oferecido num aniversário. Lembrou-se duma história que tinha escrito, um dia ao acordar tinha verificado que estava sozinha no mundo, todos tinham desaparecido como que varridos por forças poderosas e invisíveis, e tal como num sonho, um sonho idêntico àquele que a febre agora lhe tinha oferecido, viveu momentos de enorme desespero que só tinham acabado no fim do capítulo. A seguir escreveu outra história qualquer e aquela tinha ficado pertença de páginas anteriores. Este sonho também já não lhe pertencia e ao verificá-lo respirou de alívio, Não estou sozinha no mundo, esta verdade criou-lhe uma imensa expectativa quanto ao dia seguinte, vou descobrir o amanhã todos os dias e vou descobri-lo com gente, com ruídos, com encontrões, a felicidade que sentia era inqualificável. Nunca mais vou dizer a ninguém para desaparecer da minha vista, podem chatear-me à vontade moer-me a moleculinha, dar-me cabo da paciência, porem-me os cabelos em pé ou os nervos em franja, que eu só não peço bis para não haver abusos. São todos bem-vindos mortais mais ou menos desavindos, mais ou menos mesquinhos, mais ou menos irritantes, mais ou menos qualquer coisa. Bem, também não vale a pena exagerar, bem-vindos é como quem diz, mais ou menos... consoante as características da espécie que me aparecer pela frente.

in Deixem-me ouvir o silêncio
Paula Sá Carvalho

quinta-feira, 19 de março de 2020





Résultat de recherche d'images pour "FOTO DE PASSAROS DE JARDIM"

A ignorância dos pássaros


4 da manhã

E não não é bem bom


O caminhar da noite

Ainda não se tinha esgotado

- Continuava célere e invisível

E o nascer do dia

Já surgia angustiado

Como 1 retrato histórico

De calamidades


E o silêncio

Por vezes tão amigo

De dores

E pavores

Anulou-se num chilrear crescente

De pássaros madrugadores


Paula Sá Carvalho, Março de 2020

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020



Ano Novo...

Hoje

Dia primeiro

De 366

Começo de década

Com um Fevereiro

24 horas mais cronometrado

Estou sentada

A beber café

E a fumar um cigarro


Paula Sá, Carvalho 1/1/2020