segunda-feira, 20 de abril de 2015


700
Ou aproximadamente

Parti descalço
Cheguei nu
Os outros
Os que como eu vieram descalços
Ou mal calçados
Vestiram-se de mar
Quase todos

Vieram as câmaras de televisão
Com vidros cintilantes
E olhares perscrutadores
Mediram a imensidão do mar
E filmaram os meus pés descalços

Sequei as lágrimas
Que não chorei
E mantive a postura
Para a fotografia

Não se interessaram pelo meu rosto
Só filmaram os meus pés
 
Vieram cobertores
E sapatos
Comida e água
E alguns olhares comovidos
Também

Uma mão tocou o meu ombro
Um olhar tocou-me a alma
E então chorei

700 Lágrimas
Aproximadamente



Paula Sá Carvalho, 19/04/2015

 

quarta-feira, 1 de abril de 2015


Limpezas de Primavera...
 
Lavandaria

Aqui lava-se de tudo
Limpa-se bastante também
A sujidade do Mundo
E aquela que vai além

Não há nódoas maiores
Nem cheiros por eliminar
Pois limpamos os piores
Que entranhados possam estar

Fazemos limpeza geral
E somos muito eficientes
Daqui o belo nunca sai mal
Nem o frágil em pentes

Só as almas não limpamos
Pois não há sujidade nas puras
E as outras nem se esfregamos
São de matérias mui duras...

Não há modo nem temperatura
Que elimine tal sujidade
Podemos só criar alvura
Em seres de mui qualidade
 
Se só para isso servem
Então estão muito incompletos
Pois há tantos que fedem
E de merda estão repletos

Pensava caminhar no futuro
Já aqui não venho mais
Não basta limpar o que é puro
Isso é trabalho de ancestrais!

Paula Sá Carvalho/Março 2015