sexta-feira, 2 de outubro de 2015


Este poema já tem uns "anitos" mas reflecte o mesmo que reflectia quando o escrevi. Nos próximos dias vou fazer novamente 25 anos e decidi por isso publicá-lo. Afinal todos temos a idade das nossas artroses existenciais e ele há dias assim, com um pé no chão e outro a balançar, algures por aí, num céu cheio de castelos no ar...

 

O ESPELHO

 

Aos meus vinte e cinco anos de idade

Desejo relembrar alguns traços de identidade

Cuja beleza de carácter de alma e de figura

Não desdenho comparar à formosura

 

Que neste mundo, mudo surdo e pobre

É tão difícil ser-se radioso e nobre

Quanto a rosa à vida tem direito

Num jardim de colheita a preceito

 

Procurei com meus olhos verde-mar

Toda a luz da vida harmonizar

Meus lábios aprenderam a sorrir

Minha alma a chegar e a partir

 

E de todas as paixões que eu vivi

Nenhuma mais forte me consome

Que este Amor que sempre senti

Pela palavra e pelo gesto que a envolve

 

Por mim tenho grande apreço

Qual é a esperança qual é ela

Que me sobra se me esqueço

Que sou eu e só eu que pensa nela

 

E se por vezes algum amado feri

Com minhas atitudes de pretensa frieza

Creia-me ele que foi muito o que sofri

Pois Amar é uma guerra muito intensa

 

Hoje estou só como sempre estive

Apenas me dói mais o coração

Por tudo o que tive e não tive

Por aquilo que aprendi e outros não


Se meu retrato incompleto é efémero

E não define meus ânimos e meus anseios

Hei-de procurar na redefinição do eterno

A ambiguidade dos meus próprios seios

 

Por que nasci mulher e fêmea receosa

De séculos e séculos de dúbia história

Eu me consideraria auto-poderosa

Não fosse esta vontade quase inglória


Que me prende à luta quotidiana

De minha sensibilidade fazer sobreviver

Seja qual o preço que daí emana

Seja qual o trono que possa perder

 

Paula Sá Carvalho, Outubro de 2015