quarta-feira, 24 de abril de 2024













LIBERDADE


Inspira-nos

A quebrar silêncios

Obscurecidos pela apatia

Das gentes sem sangue

Sem arte

Sem fulgor no olhar

 

Inspira-nos

A quebrar o poder

Dos que sempre endurecem

Os quotidianos

Dos que desejam

Dos que sonham

Dos que nunca esquecem

O perfume da liberdade

!


Paula Sá Carvalho, Abril 2024

 


segunda-feira, 4 de março de 2024

 A propósito de direitos...

Recordo-me do primeiro dia de escola que não tive. A minha mãe não me tinha ainda dado a sacola, nem a ardósia, nem o aparo, nem a bênção... Mas eu nesse dia levantei-me muito cedo e corri ágil para a cozinha comer a malga. Os meus dois irmãos estavam já sentados à mesa a apagar os ruídos da fome e a minha mãe sentada ao lume a empilhar brasas.

- Senta-te e come, tens ali aquele monte de roupa dos teus irmãos para engomares. Já estás em boa idade para mereceres o que comes. E estás a olhar assim para quem? Despacha-te, vá!

- Sim, mãe, mas a escola é agora de manhã, depois faço tudo o que a mãe quiser... quando chegar... E olhei-a com a invasão suplicante e dócil do meu olhar.

- Escola, que escola? Para que quer uma ignorante e estúpida como tu ir à escola?

Saíram-lhe estas interrogações todas de chofre e a sua boca desfez-se num esgar de distância inultrapassável.

Nunca mais quis saber de letras nem de números, e desprezei toda a sabedoria que adivinhei exposta nesse lapso de vida que não tive. E quando mais tarde comecei a recitar versos foi só para libertar o meu peito daquela música persistente que me subjugava. Tantas e tantas vezes me interroguei, porque estas melodias a jorrarem-me do pensamento, esta beleza inoperante de palavras a bailarem no mais íntimo de mim?

Nunca aprendi a assinar o meu nome. Com as modernices da vida lá tive um dia que ir ao banco abrir uma conta. Pintei o dedo e borratei o papel que me apresentaram. A primeira vez que votei já era velha, mas o meu filho insistiu: É um direito e um dever que a mãe tem. É a liberdade de escolha de que finalmente usufruímos. Vamos reconstruir um país e a mãe faz parte desse país e tem de votar. Em quê? Uma cruz num quadradinho qualquer vale por meio século de Invernos sem Sol...

Nunca percebi nada de liberdade. E para mim ficou tudo na mesma. Continuei a levantar-me quando o Sol nascia e a recolher-me quando ele se escondia. Nem sequer sabia que a terra é redonda, foi a minha neta que me disse. Ou não me disse? 

In Deixem-me ouvir o silêncio,  Paula Sá Carvalho 


 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

 A propósito de saudade ..

Não vás por aí minha querida, não traces uma linha reta na tua existência. Nada é linear e o futuro constrói-se todos os dias mesmo que não seja visível. Caminha olhando o céu e as flores que bordam os caminhos por onde passas, levanta a cabeça e observa as estrelas que lá no alto brilham há muitos milhões de anos e que cadentes marcam o tempo. Será que aquela ali ainda lá está ou é só o seu brilho que ficou a emoldurar o teu céu? O poder, o contrapoder, a liberdade, a prisão dos passos e do pensamento, só tu no teu interior podes desbravar e compreender, e não percas nunca a ilusão de fazeres todos os dias o teu próprio itinerário. Aprendi muito neste lugar onde vivo, este lugar que é o nada e o fim de todas as galáxias, onde os Deuses são o pó dos tempos e onde os humanos são o pó deles próprios. O nada é nada, mas nesta imensa negação de tudo podes encontrar a explicação do perecível; se nada souberes construir dentro de ti própria nada será visível no julgamento do tempo. Se hoje me recordas, e deixas que a saudade inunde o teu coração, foi porque ambas construímos algo em comum; eu dei-te o calor da minha mão para atravessares os caminhos do medo e tu deste-me o do entendimento para eu atravessar a ponte que liga os dois rios da existência: o lado da bruma e o lado onde se reflete a luz. Enquanto tu existires eu mesma já não existindo vou existir contigo, e um dia tu deixarás essa mesma herança a quem procurar na tua mão o conforto dos momentos partilhados, e assim será pelos tempos numa infinidade de trocas.
in Deixem-me ouvir o silêncio, Paula Sá Carvalho

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

 









O comboio não apitou, mas trouxe Natal

 

As árvores estão nuas

Mas vestiram-nas de luzes

 

Algures neste planeta

As únicas luzes são as apagadas

 

O comboio já apitou inúmeras vezes!

 

No silêncio

Os prosadores criam palavras

Os músicos e os cantores harmonizam cantatas

Os pintores desenham iris em arcos

Mas só os sonhadores ouviram o comboio

E viajam no tempo

 

Os sonhadores sabem os limites

Das linhas cronológicas

E nunca se sentem perdidos

No caos…

 

Paula Sá Carvalho, Dezembro de 2023








sexta-feira, 20 de outubro de 2023

 

Abertura da caça às bruxas

 

Foi decretada histericamente

A abertura da caça às bruxas

Andará a humanidade demente

Ou tem só falta de chuchas

?

Muitos viram-se para um lado

Imensos para outro se viram

Mas ninguém vê o triste fado

Que com inércia construíram

 

O que sobrevive desta humanidade
Que tem a moca sempre à mão

Onde assenta a mentira/verdade

Se a luz se reduz à sombra no chão

?

 

Paula Sá Carvalho, outubro de 2023

quinta-feira, 20 de julho de 2023

 

Sonhos de menina

 

Quando for grande

Quero ser sonho a crescer

Pesadelo a nunca acontecer

Luzes a brilhar

Mesmo se sumidas

No espaço milenar

Infinito no sentir e no pensar

E

Por vezes

Talvez humana

 

           Lara, 20/7/2023 

            Paula Sá Carvalho


segunda-feira, 24 de abril de 2023

 




25 pétalas

 

 

Plantei uma flor

Rara

Em beleza

E em cor

 

Das 25 pétalas

Desta flor

Algumas perderam o odor

 

Desde então

 

Procuro incansável uma flor

Num qualquer jardim

Que não desfaleça de cor

E me perfume sem fim

 ...

 

Paula Sá Carvalho, 24 de Abril de 2023