Esta é a minha história da Carochinha e faz parte de uns contos revisitados.
Ou poderei dizer (des)encantados?
A COZINHA DO JOÃO
Olha a bela Carochinha
Que canta a esta janela
Está aqui tão sozinha
Mas cintila de tão bela
Aqui estou eu à espera
Que alguém me retorne
O sorriso sem a panela
Antes que o caldo se entorne
Tenho por marido o João ratão
Distraído com os legumes
E as carnes do panelão
E eu tão só nos meus queixumes
Por o ver noite e dia ao fogão
Voltei a debruçar-me nesta janela
Quem quer fazer de ratão
E vir namorar esta bela?
Passa o burro que diz cinzento
Por ti beleza faço tudo
Dou-te a lua, dou-te o vento
O coração e todo o mundo
Isso dizes tu, mas e depois
Com tanto luar e ventania
Terás tempo para os dois
Ou és mais uma arrelia?
Passa o gato que diz contente
Sou aquele por que esperas
O que te dará plenamente
Todas e mais umas quimeras
Falas falas mas fiquei igual
Se és aquele por que espero
O que me trazes afinal
Para além de tanto esmero?
Passa o cão que diz baixinho
Prometo ser-te sempre fiel
Sou um trabalhador infindo
E gosto mais de ti que de mel
Obrigada pela conversa ó cão
Farta estou do verbo trabalhar
Pois ainda acabas como o João
E eu à janela outra vez a cantar
Passa o mocho com ar imodesto
Levanta a asa e diz sabiamente
Eu valho mais que o que presto
Sou todo eu mais que merecente
Se mereces ou não mereces
É questão que nem me vem
O que peço nas minhas preces
É entusiasmar-me com alguém...
Passa a abelha sempre atarefada
Meio sorriso e vestida a rigor
Declara-se já toda melada
Só de imaginar um voo de amor
Vejo bem que sabes voar e então?
Passas o tempo a picar flores
Será que desses voares sobrarão
Asas para olhares as minhas cores?
De seguida passa uma borboleta
Delicada e elegante no voar
Fixa-a com olhos de cometa
Mas nada consegue articular
Oh felicidade que tanto tardavas
Oh silêncio, oh ventura…
Aceito-te sem mais palavras
Vamos voar enquanto dura!
Paula Sá Carvalho, in Contos de (Des)encantar
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